Postado às 08h34 | 20 Mar 2018
Texto perfeito e primoroso. publicado hoje, 20, na "Tribuna do Norte", de autoria do advogado e escritor Valério Mesquita.
A seguir na íntegra.
A frase do ex-deputado federal pernambucano Thales Ramalho de que “maior que a ilusão política só a ilusão do amor” é de uma verdade tão cristalina que me fez refletir mais ainda sobre os primeiros dias do atual processo eleitoral.
A deterioração dos costumes políticos, as debandadas, as infidelidades à 25ª hora, a substituição das coligações eleitorais pela proliferação de legendas partidárias, as adesões no varejo e no atacado em tom promocional e de liquidação, a troca de legendas, tudo conduz o eleitor ao descrédito da vida pública, estarrecido com a conduta pérfida dos seus protagonistas.
Em nome da mudança, do novo, do diferente, alguns agentes políticos estão destruindo a própria biografia no jogo vantajoso das premissas e das facilidades dos governos que estão por vir.
Nunca a flauta mágica do fisiologismo tocou tão alto desbotando clichês, ruborizando os céticos e dissolvendo bancadas tal e qual o efeito Sonrisal.
O que está acontecendo hoje com a chamada classe política?
Deu a louca no mundo?
É tão grande assim o impacto das dívidas e das dúvidas se vai ganhar ou não?
Dir-se-á que o Partido dos Trabalhadores quando trocou a ideologia pela convivência dos contrários, os partidos de esquerda e de centro perderam o pudor e se misturaram no mais estranho e promíscuo hibridismo partidário da história política do país.
Por isso, sou o eleitor anônimo perdido na passeata que vai de Igapó ao Conjunto Soledade II.
Misturo-me com o povo.
Danço a lambada e o frevo que desce e sobe ruas acima.
Não carrego a bandeira dos candidatos mas o gosto doce da aventura da noite dos comícios, das mulheres balançando os bustos e os quadris, como nas pesquisas eleitorais que sobem e despencam.
No circuito ciclístico da Grande Natal, pedalo bem perto da bicicleta da morena do short branco que faz todo eleitor mudar de partido.
Sou o incógnito cidadão que escuta o orador no palanque sob a penumbra da marquise da padaria mais próxima.
Sou o decifrador de caracteres, das reações fisionômicas do homem do povo.
Pastoreio as estrelas sobre a multidão sôfrega em desvarios pela hegemonia dos seus eleitos.
A paz cósmica de ser livre e isento me apascenta.
Nessa eleição ainda quero o flerte da mulher jovem.
A força misteriosa do encanto das meninas de branco, namoradas.
Sem interagir música, política e paquera não há palanque, nem povo, nem discurso.
Sou o eleitor do showmício, dos acordes do Wesley Safadão, Aviões do Forró, Mastruz com Leite, porque a música veste o voto do candidato.
Não há necessidade de se esmerar, hoje em dia, na palavra rebuscada, na oratória responsável e flamejante.
Tudo é fátuo, fútil e fácil.
Quero conhecer as preferências de todos como se fosse o pároco da Igreja onde se confessam.
O anônimo e o descomprometido vêem e escutam melhor do que os marqueteiros.
Acompanho o cortejo, me integro e me divirto no calendário das passeatas, dos comícios para ver a juventude, a garota magra e bonita que agita a bandeira dos presidenciáveis nas esquinas das avenidas por dez reais ao dia e que expressam, em si, o melhor discurso contra o desemprego.
Enfim, nessa eleição, busco a claridade do sentimento popular, que não provém mais do palanque iluminado dos condôminos.
No entanto, quero ser eleitor encachaçado, alegre, ritmado, até porque campanha eleitoral é festa e se não tiver mulher não tem graça.
Depois disso, só o grito de guerra:
“Saber votar e dizer abaixo a corrupção!”
Eu digo isso porque é o que fica e se transfunde na condição humana de optar, escolher e votar no candidato.
O político parece haver largado o sotaque do povo e dos seus costumes, que o “feiticeiro” Aluízio Alves sabia fazer com humor e ironia.
Embora, entenda que o político, às vezes, é como o fogo (“se renova das cinzas”).
Vemos hoje na propaganda novos vultos e ambientes difusos, mas também a sociedade viúva ainda de lideres verdadeiros.
As lideranças viraram sublegendas.
Valério Mesquita - escritor