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Boris obtém vitória ampla no Reino Unido e tem caminho livre para o brexit

Postado às 03h51 | 13 Dez 2019

Faça-se o brexit! Foi essa a mensagem que os britânicos deram na eleição desta quinta (12) ao garantir ao primeiro-ministro Boris Johnson a maioria das cadeiras do Parlamento.

Às 2h30 (horário do Brasil), com a apuração concluída em 624 distritos, o Partido Conservador, do qual Boris é líder, conquistara 342 cadeiras, mais que as 326 necessárias para aprovar suas políticas.

Os trabalhistas, que garantiam 200 assentos, podem ficar a sua menor bancada desde quando conquistaram apenas 154 cadeiras em 1935. 

Com o resultado, o primeiro-ministro Boris Johnson continuará à frente do governo e deve aprovar com facilidade o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia até 31 de janeiro, como prometeu.

Pesquisa de boca de urna divulgada na noite de quinta dava 368 cadeiras no Parlamento para os conservadores, contra 191 do Partido Trabalhista.

Considerada catastrófica, a derrota do Partido Trabalhista, liderado por Jeremy Corbyn, se deu principalmente em distritos do centro e do norte da Inglaterra, cidades de tradição industrial que eram território trabalhista, mas majoritariamente favoráveis ao brexit.

Um dos distritos que está sendo apontado como símbolo da virada no centro-norte inglês é Workington, que teve um representante trabalhista em 97 dos últimos 100 anos.

Desta vez, o candidato conservador venceu por uma diferença de 4.000 votos. "Workington man" é o apelido dado pela imprensa ao tipo de eleitor que Boris tentava conquistar nessa eleição: homens brancos mais velhos, da classe trabalhadora e a favor do brexit.

O partido de Boris também venceu no distrito leste de West Bromwich, onde os trabalhistas jamais haviam perdido. A conquista era chamada de "escalpo dos escalpos" pela mídia conservadora.

Em entrevista na madrugada, o primeiro-ministro disse que o resultado demonstra legitimidade para que ele avance na retirada do Reino Unido da União Europeia.

Já o principal derrotado, o líder trabalhista Jeremy Corbyn, afirmou que não voltará a liderar seu partido em outras eleições, mas deve continuar no posto até que a agremiação discuta os rumos futuros.

Vários fatores podem explicar a derrocada histórica dos trabalhistas, segundo cientistas políticos, e o principal deles pode ser o sucesso de Boris Johnson, diz Patrick Dunleavy, professor da LSE (London School of Economics).

"O acordo costurado por Boris Johnson não é muito diferente do proposto por sua antecessora, Theresa May, e apesar disso ele parece ter garantido um resultado avassalador em relação ao dela. Isso mostra que o carisma do primeiro-ministro teve papel fundamental nas eleições", afirma o cientista político.

Outro fator foi a batalha travada nas regiões centro-norte da Inglaterra, território tradicionalmente trabalhista, mas onde cerca de 70% dos eleitores votaram pelo brexit em 2016, afirma o pró-reitor de Pesquisa da LSE, Simon Hix.

A campanha de Boris, que repetiu a exaustão o slogan "Let´s get brexit done" (vamos resolver o brexit de uma vez), parece ter garantido a virada de votos na região industrial de Midlands, onde o primeiro-ministro passou os últimos dias antes da eleição.

Segundo Hix, o sucesso eleitoral do primeiro-ministro, se confirmado, deve garantir a ele hegemonia na política britânica "talvez não por cinco, mas pelos próximos dez anos".

Também parece ter sido um tiro pela culatra a campanha pelo voto útil, que tentou fazer liberais democratas votarem em trabalhistas e vice-versa nos distritos em que isso poderia tirar um conservador do Parlamento.

"As bases dos partidos são muito diferentes, seria difícil ocorrer essa transição", afirmou o especialista em pesquisas Joe Greenwood. Jo Swinson, líder do partido Liberal Democrata, sofreu também uma derrota pessoal a não ser reeleita em seu distrito.

Outro motivo para a votação decepcionante dos trabalhistas é a rejeição a Corbyn, da ala mais radical do partido e defensor de um ideário socialista, entre os eleitores e até entre correligionários.

Para Tony Travers, diretor da escola de política pública da LSE, o resultado pode deixar ainda mais estridente a verdadeira "guerra civil" entre a ala mais ao centro e a esquerdista liderada por Corbyn.

Pesquisas recentes mostram que a maioria dos membros do partido é hoje "corbynista". Foi uma mudança nas regras internas que permitiu o voto de todos os filiados que o levou ao poder, contra políticos mais centristas.

As reações de políticos trabalhistas na noite de ontem já expunham os conflitos internos. Enquanto políticos do centro culpavam abertamente o líder trabalhista, a ala mais à esquerda atribuía responsabilidade ao brexit.

Quase invisível nas ruas de Londres, a campanha seguiu intensa até a última hora por meios menos públicos.

Nas seções eleitorais, representantes dos partidos conferiam a lista de quem havia comparecido e convocavam por telefone conhecidos que ainda não haviam votado.

A batalha foi acirrada também nas mídias sociais. A estimativa é que os dois principais partidos tenham gasto 2 milhões de libras (cerca de R$ 11 milhões) em anúncios no Facebook e no Instagram desde o final de novembro.

De terça-feira até a manhã desta quinta, a propaganda dos trabalhistas havia sido vista 4,9 milhões de vezes, contra 2,7 milhões dos anúncios conservadores, segundo dados das redes sociais.

Primeira a acontecer em dezembro desde 1923, esta foi a terceira eleição britânica em menos de cinco anos —período pelo qual deveria durar a legislatura.

O pleito anterior, em 2017, foi convocado para resolver impasse em relação ao brexit, mesmo motivo da votação atual.

Apesar do clima desfavorável —temperatura entre 4ºC e 8ºC, chuva e vento— e de o voto não ser obrigatório no Reino Unido, o comparecimento às urnas foi descrito como surpreendente.

Filas se formaram em várias seções ao longo da tarde e à noite, e a espera chegava a meia hora em alguma delas.

Eram 13 as pessoas que esperavam às 14h na fila de identificação da escola em que votou a enfermeira aposentada Marilyn Murray, 76.

Com dificuldades para caminhar por causa dos efeitos secundários de uma quimioterapia, que lhe tiram o fôlego, Marilyn preferiu percorrer a pé os 300 metros que separam sua casa da escola primária em que votou (pelo sistema britânico, ela poderia ter recorrido ao correio).

Como cerca de 60% dos eleitores de seu distrito (Bethnal Green), Marilyn e sua neta, Savanah, 22, votaram nos trabalhistas.

A maioria dos britânicos com mais de 60 anos, porém, prefere os conservadores, segundo as pesquisas. Em Uxbridge, distrito por que concorre Boris Johnson, a aposentada Diana Luxton, 74, declarou não confiar inteiramente no primeiro-ministro, mas preferir seu partido ao dos opositores.

Enquanto os britânicos decidiam o destino da saída da União Europeia, líderes dos outros 27 países que formam o bloco se reuniam em Bruxelas, capital da UE, para um encontro de dois dias.

Após a divulgação da pesquisa de boca de urna, a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que a União Europeia está preparada para qualquer que seja o resultado das eleições.

Nesta sexta (13) os 27 líderes vão se reunir com Michel Barnier, negociador da UE para o brexit.

As principais promessas dos conservadores nesta eleição são apresentar o acordo de divórcio de Boris Johnson até o Natal, para cumprir a promessa de alcançar o brexit até o final de janeiro, destinar mais 20,5 bilhões de libras (cerca de R$ 112 bilhões) ao sistema público de saúde (NHS) nos próximos cinco anos e contratar mais 50 mil enfermeiros e 20 mil policiais na Inglaterra e no País de Gales.

Os conservadores também prometem implantar um sistema de imigração semelhante ao da Austrália, que atribui pontos para quesitos como idade, escolaridade, experiência e profissão. Na prática, isso deve dificultar a entrada de estrangeiros menos qualificados, a não ser para trabalhos sazonais, como nas épocas de colheita.

Boris também prometeu não elevar o Imposto de Renda, as contribuições previdenciárias e o imposto sobre consumo.

Além dos conservadores, outro vencedor da eleição desta quinta é o Partido Nacional Escocês (SNP), que, de acordo com a boca de urna, conseguiu ampliar sua presença no Parlamento.

A boca de urna dava ao partido da líder Nicola Sturgeon 55 das 59 cadeiras escocesas, o que surpreendeu até mesmo membros do partido. Às 2h30, o partido conquistara 46 distritos. Se confirmado, o resultado aumenta a chance de um novo referendo pela independência da Escócia.

A permanência na União Europeia foi um dos motivos que levaram os escoceses a continuar no Reino Unido no último referendo, e a pressão aumenta com a provável vitória ampla de Boris Johnson e o brexit.

Boris, no entanto, já afirmou que não permitirá uma nova votação sobre a independência escocesa.

Para o cientista político Patrick Dunleavy, da LSE, a probabilidade de um novo referendo dependerá do sucesso do SNP na votação para o Parlamento escocês, em maio de 2021.

Se eles repetirem o desempenho desta eleição, diz ele, será difícil para o primeiro-ministro britânico impedir a votação.


Como são as eleições britânicas?

Em cada um dos 650 distritos, vence o candidato mais votado, independentemente do número de votos para seu partido em todo o país. Cada distrito tem uma cadeira na Câmara dos Comuns (equivalente à Câmara dos Deputados) do Parlamento britânico.

Quando sai o resultado desta eleição?

Os resultados de todos os 650 distritos devem estar apurados até as 6h (3h) no Brasil. Deve sair durante a madrugada, porém, o resultado mais importante na prática: se o Partido Conservador conseguiu ou não assegurar a maioria das cadeiras para aprovar seu acordo do brexit.

De quantas cadeiras Boris precisa para o brexit?

Da maioria simples, ou seja, 326 cadeiras. Na prática, o número pode ser um pouco menor, porque o presidente da Casa não vota.

Tradicionalmente, os eleitos pelo partido norte-irlandês Sinn Fein também não assumem suas cadeiras (na última eleição, eles elegeram sete representantes).

Como se escolhe o primeiro-ministro?

Se um partido obtém maioria, seu líder é declarado primeiro-ministro. Ele pede permissão à rainha para formar um novo governo em nome da Coroa.

E se ninguém alcançar a maioria?

Ocorre impasse (o que os ingleses chamam de "hung parliament"), e Boris continua no cargo para tentar formar um governo de coalizão. Antes dessas eleições, o Partido Conservador contava com o DUP (unionista irlandês) para governar.

Se ele não obtiver a maioria associando-se a outro partido, pode tentar ainda estabelecer um governo de minoria, no qual se estabelece um acordo de apoio para que outro partido vote com o governo nos temas principais.

O que acontece se Boris não formar um governo?

Nesse caso, o primeiro-ministro costuma renunciar e dar ao líder da oposição (o trabalhista Jeremy Corbyn) a oportunidade de tentar formar um governo.

Se a oposição fracassar, convocam-se novas eleições. (Folha)

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