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Por trás da imagem de bufão, Primeiro Ministro britânico tem história mais complexa

Postado às 04h39 | 12 Dez 2019

Ana Estela de Sousa Pinto

Londres

Por trás do estereótipo de bufão excêntrico que ele mesmo criou e do cabelo loiro-palha que ele mesmo despenteia, Boris Johnson tem uma história mais complexa.

Sua árvore genealógica inclui cristãos ingleses, muçulmanos turcos, judeus da Europa Oriental, russos, americanos, alemães, franceses e suíços. Um bisavô era rabino ortodoxo lituano; outro, poeta, jornalista e político turco.

Alexander Boris de Pfeffel Johnson, 55 anos, 1,75 m e 85 kg, nasceu em Nova York. O Boris, que adotou, é homenagem a imigrante russo amigo da família. Paladino do brexit desde a campanha do referendo, em 2016, tem sua história costurada à da União Europeia.

Em Bruxelas, sede da União Europeia, ele passou boa parte da infância, conheceu uma de suas mulheres e fez carreira jornalística.

Seu pai foi funcionário da Comissão Europeia e foi em Bruxelas que Boris viveu dos 9 aos 13 anos. Estudou na Escola Europeia, aprendeu a falar francês e sabe também alemão, italiano e espanhol.

Nas elitistas escolas britânicas que cursou depois, estudou latim e grego, que passou a usar em citações. 

O tipo desastrado, impulsivo e irônico foi construído na adolescência. Até os oito anos, foi praticamente surdo, por causa de uma doença em que líquido se acumulava no canal auditivo; seus biógrafos relatam que era uma criança quieta e estudiosa. O problema foi sanado com cirurgia.

No internato Eton (frequentado pela família real e pela elite britânica) e na Universidade de Oxford,  Boris percebeu que, para liderar, era preciso ser conhecido e lembrado.

Colegas dizem que seu carisma era inigualável: “engraçado, gentil, simpático, com um toque autodepreciativo” são palavras que os amigos usam para descrevê-lo.

Inimigos pintam o retrato com outras tintas: “palhaço, bobo da corte, janota, sociopata auto-absorvido e mentiroso em série” foram usados por políticos e articulistas.

Ex-colega de Boris nos anos 1990, a jornalista e biógrafa Sonia Purnell o descreve como impossível de ignorar: olhos azuis penetrantes, voz grave e alta.

“Ele é muito bom com as palavras e sabe entreter com elas”, escreve Sonia. Mas, segundo ela, muitos dizem que “quanto mais perto dele você chega, menos você gosta”, no que foi apelidado de político “marmite” (pronuncia-se marmaite), em referência à pasta de levedo de cerveja popular no Reino Unido: ou você ama, ou odeia, sem meio-termo.

Boris, porém, parece capaz de cativar rivais. Embora comparado a Donald Trump, ele tem pouquíssimas semelhanças com o americano, segundo o historiador Anthony Seldon, professor da Universidade de Buckingham.

“Boris não é um acadêmico, mas é um intelectual. Entende a linguagem e a cultura, respeita a inteligência e gosta de grandes ideias.”

É alguém que se destaca “quando o sucesso pode ser atingido por inteligência pura, desde que não envolva trabalho duro”, segundo o relatório de um professor na época em que ele esteve em Eton.

O diagnóstico foi confirmado por seu tutor em Oxford, Jonathan Barnes, em uma entrevista ao escritor Simon Kuper.

Ao explicar por que o premiê não obteve o grau máximo nos estudos clássicos, disse: “Pessoas muito inteligentes podem dar uma enganada se se dedicarem algumas horas por semana. Mas Boris se dedicou zero hora por semana”.

Fechando a trilogia, o biógrafo Andrew Gimson declarou que “Boris Johnson nunca se preparou propriamente, o que significa que sua vida toda tem sido uma preparação para ser despreparado”.

Pode não ter obtido grau máximo, mas em Oxford conquistou outra de suas metas, a de ser presidente da Oxford Union, clube de debates por cuja chefia passaram pelo menos 19 ex-primeiros-ministros.

Outra meta era encontrar uma esposa, e Boris se casou cedo, aos 23 anos, com uma colega da universidade. Divorciou-se cinco anos depois, e sua vida pessoal e sexual tem sido cheia de escândalos.

Menos de duas semanas depois do divórcio, casou-se com a advogada Marina Wheeler, com quem estudara na infância. Em cinco semanas, nasceu o primeiro filho do casal.

Fora do casamento, não faltaram aventuras. Boris teve um caso de quatro anos com uma colega da revista britânica Spectator, que ele dirigiu. 

Em 2006, tabloides ingleses escreveram sobre um suposto caso de Boris com uma jornalista do Guardian, que ele empregou pouco tempo depois.

Três anos depois, ainda casado com Marina, com quem teve dois filhos e duas filhas, Boris foi pai de uma menina com uma consultora de arte e, em 2013, viveu affair com empresária americana Jennifer Arcuri (nenhum dos dois negou).

O divórcio só viria em 2018, e hoje Boris namora Carrie Symonds, que trabalha para o Partido Conservador.

Em junho deste ano, vizinhos chamaram a polícia após ouvirem gritos e barulhos na casa do primeiro-ministro, no que seria uma briga conjugal.

Esse é outro ponto em que Boris se afasta de líderes de direita —como Trump e Bolsonaro— que adotam a pauta de comportamento conservadora. Batizado católico, confirmado anglicano, mas não praticante, Boris admitiu ter experimentado maconha e cocaína. “Ele é favorável à liberdade sexual, não discrimina homossexuais, não é moralista nem religioso”, diz o diplomata brasileiro Rubens Ricupero.

Até virar estrela jornalística, nos anos 1990, fez carreira controvertida. No primeiro emprego, foi demitido por inventar citação e atribuí-la a seu padrinho, professor universitário, que reclamou ao jornal. Como correspondente em Bruxelas, fazia parte do grupo que desmoralizava a Comissão Europeia com histórias de supostas leis sobre a curvatura das bananas ou o diâmetro dos preservativos.

Boris coleciona gafes, frases sexistas e quase insultos. Já chamou Barack Obama de hipócrita e “meio queniano”, Hillary Clinton de enfermeira sádica em um hospício, Vladimir Putin de tirano 

manipulativo parecido com Dobbie (elfo das histórias de Harry Potter) e disse que não iria a alguns lugares de Nova York pelo risco de encontrar Trump.

Ao destoar do establishment britânico, angaria simpatia dos mais afeitos ao discurso contra as elites tradicionais. Faz jogging de bermudas floridas, usa gravatas tortas, enlouquece os assessores por chegar atrasado e não estudar dossiês. No Parlamento, desrespeita a liturgia e dispensa pronomes de tratamento.

E não falta a Boris cálculo político por trás da imagem atrapalhada. A história de suas reviravoltas na campanha pelo brexit já virou até filme. Ele escreveu e publicou colunas contra e a favor da saída da UE e, pouco antes de mudar de lado, professou devoção aos “remainers”, os que querem continuar no bloco.

Mas enxergou vantagem ao explorar os problemas vinham da UE, em estratégia desenhada por Dominic Cummings (hoje o principal conselheiro de Boris), afirma o professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista da Folha, Matias Spektor. 

Cummings buscava alguém jovem que pudesse chamar a atenção, “e Boris, grande piadista, o ridículo, surgiu como o efeito surpresa”.

Apoiada no poderoso slogan “take back control” (vamos retomar o controle), a dupla venceu o referendo em 2016. É também com slogan simples —“let’s get brexit done" (vamos resolver o brexit de uma vez)— que Boris disputa a eleição desta quinta (12). 

Humor britânico

Na geladeira

Para fugir de um repórter de televisão que tentava entrevistá-lo ao vivo, o primeiro-ministro Boris Johnson se escondeu em uma câmara frigorífica cheia de garrafas de leite, na manhã desta quarta-feira (11). Ele fazia campanha no reduto trabalhista de Pudsey, e o repórter queria ouvir sua opinião sobre a queda da liderança conservadora nas pesquisas.

Pelada no lago

A ex-líder conservadora da Escócia Ruth Davidson prometeu nadar pelada no lago Ness se o partido nacionalista escocês (SNP) conquistar mais de 50 cadeiras na eleição desta quinta (12). “Minha modéstia e o globo ocular dos outros não serão molestados”, acrescentou Ruth, mostrando-se confiante na previsão. Em 2015, os nacionalistas escoceses levaram 56 assentos. A mais recente pesquisa lhes atribui 41.

Cabeleira

O geralmente sisudo líder trabalhista, Jeremy Corbyn, partiu para a imitação ao comentar a promessa de seu principal adversário político de construir 40 hospitais no Reino Unido. Corbyn despenteou os próprios cabelos e, na sequência, começou a gaguejar dizendo “Não estou bem certo sobre onde vão ser os hospitais”.

Emboscada das abelhas

Manifestantes fantasiados de abelhas fizeram parar o ônibus de campanha do conservador Boris Johnson no meio-norte inglês. Sempre com antenas na cabeça e as fantasias com listras amarelas e pretas, membros da campanha ambientalista Extinction Rebellion têm tentado pressionar Boris em vários eventos de campanha (alguns chegaram a ser cancelados para evitar as “ferroadas” dos manifestantes).

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