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Réu delatado deve falar por último, mas critério para anulação não foi definido

Postado às 04h24 | 03 Out 2019

Jota

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (2/10), que quando há corréus delatores e delatados em uma mesma ação penal, os delatados devem apresentar alegações finais por último. A decisão foi tomada em um habeas corpus. Ainda ficou em aberto a tese que vai estabelecer critérios para anulações de sentenças em que o prazo sucessivo não foi respeitado. O julgamento deve continuar nesta quinta-feira (3/10).

O julgamento foi marcado por uma longa discussão sobre o cabimento ou não de uma tese em habeas corpus, ou seja, em caso subjetivo. Foram oito votos pela fixação da tese, e três contra. De um lado, alguns ministros defenderam que é necessário formalizar uma orientação jurisprudencial para a magistratura de todo o país. Do outro lado, uma corrente dizia que não há possibilidade de fixar tese em caso subjetivo, apenas em ações de controle concentrado.

A tese para limitação de efeitos ainda deve ser alvo de alongado debate: alguns ministros entendem que há necessidade de o réu comprovar prejuízo, enquanto outros acreditam que o prejuízo é presumido. Haverá a discussão ainda se é necessário, para anulação, que o réu tenha pedido o prazo sucessivo ainda na primeira instância.

Geralmente, no Supremo, teses são fixadas em recursos extraordinários de repercussão geral. Já a modulação de efeitos costuma ocorrer em ações de controle concentrado. No caso, os ministros julgam o Habeas Corpus (HC) 166.373.

A proposta de fixar uma tese foi feita pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. Ele foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Toffoli disse que seu objetivo é preservar a segurança jurídica.

Já os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello foram contra a fixação de tese.

Toffoli propôs a seguinte tese:

1) Em todos os procedimentos penais, é direito do acusado delatado apresentar as alegações finais após o acusado delator que, nos termos da lei 12.850/13, tenha celebrado acordo de colaboração premiada devidamente homologado, sob pena de nulidade processual desde que arguido até a fase do artigo 403 do Código de Processo Penal ou o equivalente na Legislação Especial e reiterado nas fases recursais subsequentes.

2) Para os processos já sentenciados, é necessária ainda a demonstração do prejuízo que deverá ser aferido, no caso concreto, pelas instâncias competentes.

O decano Celso de Mello, ao concordar com a formulação de tese, disse que não se classifica como pauta vinculante de julgamento. “[A tese] atuará como referência paradigmática com valor persuasivo, mas permitirá que se cumpra aquelas múltiplas funções que são inerentes à jurisprudência”, falou.

O próprio relator, Fachin, que se manifestou contra o prazo sucessivo de alegações finais para réus delatores e delatados, foi a favor da fixação de uma tese. O ministro defendeu a segurança jurídica. “Meu objetivo foi de buscar uma orientação, e a orientação majoritária deflui do que acabou de ser deliberado”, falou Fachin. “Estou entre aqueles que entendia inexistir esse direito, mas essa foi a percepção vencedora e passa a ser a percepção deste colegiado”.

Já Marco Aurélio, contrário à proposta de Toffoli, disse: “no julgamento de um habeas corpus com um tribunal dividido, qual seria o objetivo da edição de uma tese? Colocar a magistratura nacional numa camisa de força? A tentação de legislar vejo que é muito grande”, diz, apontando que se transformaria um processo subjetivo em objetivo.

Também contra, Lewandowski acusou Toffoli de estar propondo modulação com outro nome. “Ainda que se chame um gato de cachorro, ele não deixará de miar”, falou. O ministro diz que a tese fará com que a decisão “não atinja aqueles que não se manifestaram no momento oportuno” e que não são tão bem assessorados juridicamente.

O conteúdo da tese deve ser discutido no plenário nesta quinta-feira (3/10). O ponto de maior discussão deve ser o da comprovação de prejuízo. Para a ministra Rosa Weber, não permitir que o delatado apresente suas alegações por último configura violação de princípios constitucionais, o que, em sua visão, é causa de nulidade absoluta – ou seja, o réu não precisa comprovar prejuízo e não precisa ter arguido o prazo sucessivo anteriormente.

“Isso significa que eu não reconheço a ocorrência de preclusão, entendo que ela pode ser pronunciada de ofício, e que o vício pode ser suscitado em qualquer momento. E o vício não prescinde da ocorrência de prejuízo, o prejuízo é presumido, ele não precisa ser demonstrado. (…) caberia ao Ministério Público a demonstração de inocorrência do prejuízo”, falou Rosa Weber.

Em seu voto, Alexandre de Moraes também aponta que a nulidade é absoluta. Da mesma maneira, Celso de Mello também disse, em seu voto a favor da tese, que cabe ao acusador comprovar que não houve prejuízo, e não ao réu. Do outro lado, Toffoli e o Barroso defenderam que a nulidade é relativa.

Caso concreto

O plenário analisou o habeas corpus (HC) 166.373, no qual o ex-gerente de empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Lava Jato, pedia a anulação da sentença porque seu prazo de alegações finais foi concomitante com o de delatores. Foram seis votos para conceder o HC, devendo a condenação ser anulada e o processo retornar para a fase de alegações finais.

No início do julgamento, na semana passado, o ministro Edson Fachin votou por negar o HC entendendo que não há previsão na legislação brasileira de prazo sucessivo para corréus delatores e delatados. “Tampouco potencializou para esse escopo eventual adoção ou não de postura colaborativa. Podia tê-lo feito em 2008, na reforma do Código? Sem dúvida. Podia tê-lo feito e até hoje o legislador infraconstitucional não o fez e não traz qualquer distinção baseada na estratégia defensiva de um dos réus”, disse. Fachin foi acompanhado por Barroso, Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio.

Já o ministro Alexandre de Moraes, ao inaugurar a divergência, disse que o interesse processual do delator é absolutamente idêntico ao da acusação. O interesse do corréu é a sua absolvição. A relação delator-delatado é de antagonismo, de contraditório. Se é uma relação contraditória, não se pode, a meu ver, fugir do princípio da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal”, defendeu. Devido processo legal não é “firula” jurídica, disse Alexandre de Moraes em seu voto. Foi acompanhado por Rosa, Lewandowski, Gilmar, Celso de Mello e Toffoli.

O caso chegou ao plenário a pedido do ministro Edson Fachin, relator. A decisão do ministro ocorreu um dia após ele sofrer uma derrota da 2ª Turma, que decidiu réu delatado tem que ser ouvido na ação penal sempre depois do corréu que o delatou. Fachin observou, no despacho, a necessidade de preservar a segurança jurídica e a estabilidade jurisprudencial do STF.

Retomada

O primeiro a votar na sessão desta quarta foi o ministro Marco Aurélio Mello. O ministro acompanhou o relator, Edson Fachin, e negou a concessão do habeas corpus por entender que não há previsão legal sobre prazo sucessivo para alegações finais.

Com o voto de Marco Aurélio, foram cinco votos pela negativa do HC e quatro por manter o prazo concomitante de alegações para corréus delatados e delatores. Além de Fachin e Marco Aurélio, Fux, Cármen Lúcia e Barroso haviam votado contra a concessão do HC. 

O ministro iniciou o voto apontando para artigos do Código de Processo Penal que tratam do processo-crime, quando duas são as partes: o Estado acusador, representado pelo MP, e o acusado ou acusados. Em casos de colaboração premiada, delator e delatado continuam, para o ministro, “corréus do mesmo processo-crime, merecendo tratamento igualitário”, sob o risco de ir contra a norma estabelecida e além do que está previsto pelo ordenamento.

“Em síntese, o delatado não se defende, nessa fase, de alegações que possam ser apresentadas pelo corréu delator. Já o terá feito. Ou terá tido oportunidade de fazê-lo anteriormente, quando tomou conhecimento da denúncia”, diz Marco Aurélio. “Mais do que isso, ofício judicante é vinculado ao direito positivo. O Supremo não legisla. Assim entender é esquecer que ambos têm posição única no processo, ou seja, de réus.” 

Depois, votou Toffoli, que começou defendendo o papel do Supremo no combate à corrupção. Toffoli acompanhou a divergência aberta por Alexandre de Moraes, pela concessão do habeas corpus.

O presidente da Corte disse que, se existe combate à corrupção é graças ao STF, citando os pactos firmados com o Judiciário em 2004, com Nelson Jobim, e 2009, com Gilmar Mendes na presidência da Corte. “Esta Corte mantém as decisões tomadas dentro dos parâmetros do Estado de Direito. Mas repudia os abusos e os excessos e tentativas de criação de poderes paralelos e instituições paralelas. Se não fosse esse STF não haveria o combate à corrupção no Brasil”, disse Toffoli.

Toffoli disse que “longe de mera formalidade democrática, as alegações finais constituem o verdadeiro momento culminante da instrução processual”, sendo “o último momento de acusação, e, depois, da defesa poderem falar antes da sentença”.

O presidente da Corte disse estar convencido de que houve constrangimento ilegal na hipótese em análise, “porque as garantias fundamentais do direito ao contraditório assegura ao réu se contrapor a todas as cargas acusatórias”. Além disso, para ele, o delator tem um compromisso com o Estado acusador.

ANA POMPEU – Repórter
HYNDARA FREITAS – Repórter
LUIZ ORLANDO CARNEIRO – Repórter e colunista

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