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A absurda eleição nos Estados Unidos

Postado às 06h20 | 29 Out 2020

Guga Chacra

O sistema eleitoral dos Estados Unidos é um absurdo. Pode permitir não apenas que um candidato com menor número de votos vença como ainda que um presidente impopular seja reeleito mesmo perdendo na votação nacional. Donald Trump governou os EUA por quatro anos mesmo tendo 3 milhões de eleitores a menos do que Hillary Clinton. Na próxima terça, mais uma vez deve ser derrotado nas urnas, mas mantém uma chance de ser declarado o vitorioso no Colégio Eleitoral, apesar da rejeição.

Sei que a maioria dos leitores já sabe, mas não custa lembrar. Nos EUA, primeiro, os eleitores votam em seus estados. Depois, há o Colégio Eleitoral. Cada estado tem um peso distinto que se dá pela soma do número de cadeiras na Câmara mais as duas do Senado, totalizando 538. A Califórnia tem 55. Vermont, 3. Se o candidato vencer em Nova York por uma margem de 30% dos votos, como Hillary Clinton em 2016, levará todos os votos daquele estado no Colégio Eleitoral (29). Ao mesmo tempo, se vencer por 500 votos na Flórida, como George W. Bush em 2000, também levará todos os votos (29).

Não há incentivo algum para os candidatos se preocuparem com os eleitores da Califórnia e de Nova York, que são estados solidamente democratas, ou com os de Virgínia Ocidental ou Oklahoma, que são solidamente republicanos. Eles sabem de antemão qual será o resultado nestes lugares. A preocupação se dá apenas nos chamados “swing states”, ou estados-pêndulo, nos quais não há predomínio democrata ou republicano. Nesta eleição, serão Pensilvânia, Flórida, Arizona, Carolina do Norte, Michigan, Wisconsin, Nevada, Ohio e Iowa. Alguns incluem também Geórgia e Texas na lista neste ano.

O Colégio Eleitoral foi criado indiretamente para proteger os estados escravocratas do Sul dos EUA. Explico. Negros não podiam votar no início da República. Mas escravos eram contabilizados como três quintos de uma pessoa. O peso eleitoral se dava pela população, não pelo número de eleitores. Caso fosse levado em consideração o número de eleitores, os estados do Norte teriam maior peso na Câmara e no Colégio Eleitoral. No formato com a contabilização de escravos, que não votavam, como três quintos (chega a ser repugnante ter de escrever isso), o Sul era beneficiado.

Alguns argumentam que este sistema evita que Nova York ou a Califórnia tenham mais força do que estados menores. Este argumento não se sustenta. Afinal, Nova York e Califórnia têm mais força porque são estados mais populosos. Para compensar os estados menores, já existe a equivalência de cadeiras no Senado.

Outro absurdo é o modelo de votação, que varia de estado para estado. Cada um tem as suas regras. Sei que se trata de uma federação. Mas estão escolhendo o presidente de todo o país. É errado alguém votar de uma forma na Virgínia e de outra em Utah. A contabilidade dos votos também varia. Alguns estados aceitam votos pelo correio que tenham sido enviados até o dia da eleição. Outros, apenas os que chegarem até o dia da eleição.

Se fosse uma eleição normal, como no Brasil ou na França, onde as regras são as mesmas em todo o país e o mais votado vence, Biden já seria virtualmente o novo presidente dos EUA. Como é por meio desse sistema eleitoral absurdo e com regras diferentes em cada parte do país, o presidente tem chance sim de ser reeleito, mesmo perdendo na votação popular.

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