Notícias

Elio Gaspari: "A crise mora no Planalto"

Postado às 09h23 | 25 Jul 2021

Elio Gaspari

Em menos de três anos de governo, Jair Bolsonaro fez 24 mudanças no seu ministério. Não chega a ser demais. Havendo um problema, mexe-se no time. No Ministério da Educação, ele criou três encrencas até chegar ao experimento com o doutor Milton Ribeiro. É o jogo jogado.

A porca torce o rabo quando se vê que no Palácio do Planalto, o coração do governo, há quatro ministros e só nesse time aconteceram nove mudanças, duas das quais traumáticas.

Pela Casa Civil, a pasta mais relevante, passaram três titulares: Onyx Lorenzoni, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. O capitão começou com Lorenzoni, seu aliado do tempo em que os bolsonaristas cabiam numa Kombi, e agora ficará com Ciro Nogueira, que via nele um fascista.

Pela Secretaria-Geral da Presidência, que pode fazer muita coisa ou coisa nenhuma, passaram quatro titulares. Para lá vai Luiz Eduardo Ramos, que, como chefe da Casa Civil, não sabia que mudaria de serviço. O primeiro a ocupar a cadeira foi Gustavo Bebianno, outro passageiro da Kombi bolsonarista. Demitido de forma cruel, morreu meses depois.

Pela Secretaria de Governo, que pode coordenar as relações com o Congresso, passaram o general da reserva Santos Cruz, o onipresente Ramos e hoje está lá a deputada Flávia Arruda, que precisa combinar com Ciro Nogueira quem fará o quê. Santos Cruz é hoje um espinho no pé de Bolsonaro quando ele pisa nos quartéis.

O general da reserva Augusto Heleno (Segurança Institucional) é o único sobrevivente da equipe da Kombi. Menos loquaz, já não acha que "se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão".

Em muitas organizações há os "amigos do rei" que vão de um lugar para outro. Nesse caso estão Ramos e Lorenzoni, que ganhou a recriação do Ministério do Trabalho. Mesmo assim, qualquer organização com tamanha rotatividade em torno do monarca é um lugar perigoso para se trabalhar.

Dessa dança de cadeiras resulta que a Kombi dos bolsonaristas tinha motorista mas não tinha objetivo. Passados dois anos, continua na mesma, com um motorista que não sabe o destino. Sabe apenas que com cerca de 550 mil mortos na pandemia de 17,7 milhões de desempregados, deseja continuar ao volante.

O mundo de Braga Netto

O general da reserva Braga Netto desmentiu a notícia das repórteres Andreza Matais e Vera Rosa segundo a qual teria mandado um recado ao deputado Arthur Lira de que a eleição teria voto impresso ou não haveria eleição.

Tudo bem, mas no dia 23 de abril do ano passado ele desmentiu que o ministro da Justiça Sergio Moro estivesse demissionário.

Estava.

Em fevereiro de 2018, ao assumir a interventoria na segurança do Rio, Braga Netto disse que havia "muita mídia" em torno da violência na cidade.

Ainda bem que existem bons repórteres e "muita mídia".

Pronto para a festa

Bolsonaro maltrata a Cultura e não há notícia de que tenha um projeto para o segundo centenário da Independência.

No dia Sete de Setembro de 2022 acordará com um mico no colo.

Em plena campanha eleitoral, João Doria festejará o dia em grande estilo no novo Museu do Ipiranga.

Pedro Américo?

Uma boa discussão para o ano do Bicentenário da Independência:

O quadro Grito do Ipiranga, pintado em 1888 por Pedro Américo, é ou não uma cópia da Batalha de Friedland, do francês Ernest Meissonier, de 1875?

(Noves fora os brasileiríssimos carros de bois.)

O mundo de Guedes

Tendo perdido jurisdição sobre o que virá a ser o novo Ministério do Trabalho, o ministro Paulo Guedes garantiu: "Não muda nada".

O perigo mora na possibilidade de ele acreditar nisso.

Madame Natasha

Madame Natasha quer saber como se entra para o centrão e acredita que com o número de desempregados beirando os 15 milhões, Bolsonaro não precisava criar o Ministério do Trabalho e do Emprego.

Bastava falar só em trabalho, porque emprego mesmo, só quem arrumou foi o doutor Onyx Lorenzoni.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e está procurando grão-tucanos para apresentar sua última ideia:

Se o tal semipresidencialismo (ou semiparlamentarismo), criado com mão de gato, só entraria em vigor a partir de 2026, que tal aproveitar o pleito do ano que vem para fazer um terceiro plebiscito? ​

O Haiti não é aqui

Está nas livrarias "Dano Colateral - A intervenção dos Militares na Segurança Pública", da repórter Natalia Viana, diretora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. É um mergulho na gênese e nos resultados do reaparecimento dos militares na política. Ela foi do andar de baixo, falando com soldados, policiais, vítimas e camelôs, ao de cima, ouvindo ex-ministros, magistrados e generais. Leu processos e presenciou audiências. Desse acervo resultou o livro, uma reportagem que dá vida a siglas como GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e Apop (o "agente perturbador da ordem pública"). Se, durante uma GLO, a tropa mata um Apop, isso resulta num "dano colateral".

Ela conta histórias como a de Evaldo, que, num domingo de 2019, ia com a mulher e o filho de sete anos a um chá de bebê e morreu quando soldados atiraram contra seu carro. Luciano, que estava por perto e tentou socorrê-lo, também foi baleado e acabou morrendo. Foram 62 tiros. O julgamento da patrulha que confundiu o carro de Evaldo com o de bandidos, e Luciano sabe-se lá com o que, poderá acontecer em julho.

Natalia Viana seguiu 34 outras histórias. Elas têm um padrão de acobertamento e impunidade. Num caso surgiu a figura da "legítima defesa imaginária".

Presidentes com origens tão diversas como Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro recorreram às GLOs. A mais espetaculosa (e inútil) foi o "golpe de mestre" de Temer com a intervenção na segurança do Rio de Janeiro. Nela apareceu a estrela do general Braga Netto, atual ministro da Defesa.

Natalia Viana disseca processos que acabam arquivados e conta como ressurgiu a participação militar na segurança. Daí para a política foi um pulo.

Houve uma mudança na atividade do Exército e ela começou com a ida da tropa brasileira para a força de paz da ONU ao Haiti. Entre 2004 e 2017 passaram por lá 37 mil militares das três Forças. Se no século passado houve a FEB na Itália, neste há a Minustah do Haiti. Seis de seus nove comandantes foram para o governo de Jair Bolsonaro. Na Itália a FEB combateu um exército. No Haiti buscava-se manter a ordem. Coisas que se fizeram em Port au Prince, quem sabe poderiam ser feitas no Brasil. Deu no que deu e os próprios generais admitiram que as GLOs enxugam gelo. Do Haiti, nem se fale.

O dispositivo constitucional que permitiu a militarização de atividades policiais foi concebido pelo general Leônidas Pires Gonçalves em 1988. Cabe contudo uma ressalva. Leônidas deixou o Ministério do Exército em 1990 e morreu em 2015. Por experiência própria, não gostava da ideia de envolver o Exército em atividades policiais. Ele conhecia o perigo dessa mistura e avisava: "Quartel não tem algemas".

Deixe sua Opinião