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Elio Gaspari: "Ele e o exemplo chinês"

Postado às 16h33 | 30 Jun 2021

Elio Gaspari

Ele examinou a situação e ensinou:

— A China é capaz de lutar contra o coronavírus tão rapidamente porque tem um partido político forte e um governo forte. Porque o governo tem controle e poder de comando. O Brasil não tem isso, nem outros países.

Bolsonaro? Não, Lula, o candidato mais bem colocado nas pesquisas para a eleição presidencial do ano que vem.

O fascínio de Lula pela ditadura chinesa é antigo. Em 2003, quando era presidente, disse que “a China acordou, e o mundo está, pelo menos, preocupado com o potencial de crescimento da China. Antes de Napoleão Bonaparte ter visitado a China, o hino brasileiro já falava que nós somos um gigante”. (Napoleão nunca foi à China.)

Falar em “partido político forte” e “governo forte” com “poder de comando” é maquiar a ditadura do centenário Partido Comunista da China (PCC). Lastimar que o Brasil não tenha esses instrumentos é um menoscabo às instituições brasileiras.

Partido e governos fortes são coisa que a China tem desde 1949, quando o Grande Timoneiro Mao Tsé-Tung foi para o poder. Lá, o presidente Liu Shaoqi saiu da linha, e Mao mandou-o para a cadeia, onde morreria em 1969, em condições deploráveis, com apenas sete dentes. Sua mulher foi escrachada e ficou encarcerada por mais de dez anos. Esse Império do Meio de partido e governos fortes poderia ser chamado de China 1.0. Nela, o país passou por uma grande fome com episódios de antropofagia e pelo menos 15 milhões de mortos.

Na China 2.0, Liu foi reabilitado. Sua filha formou-se pela Universidade Harvard, fundou uma consultoria e nela administrou parte da fortuna da família Rockefeller. Essa China 2.0 foi fundada por Deng Xiaoping. Tornou-se um memorável modelo de progresso com ditadura. É dessa China que Lula fala, mas nela o poder do partido não existiria sem as bases deixadas por Mao.

Em 1974, quando Deng foi aos Estados Unidos, teve de recorrer a um amigo para comprar US$ 35 de brinquedos para os netos. Vinte anos depois, quando a China bombava, sua mulher tentou se matar porque o filho do casal havia sido denunciado por ladroeiras.

Foi Deng, com seu jeitão de vovô austero, que dizia precisar só de cigarros e de um pote para cuspir, que ordenou a repressão aos manifestantes da Praça Tiananmen, em 1989. O segundo homem da hierarquia chinesa era o secretário-geral do PCC, Zhao Ziyang. Teve melhor sorte que Liu Shaoqi. Ficou em prisão domiciliar até morrer, em 2005.

Lá também existe uma Corte Suprema, mas, com partido e governo fortes, foram para a cadeia milhares de burocratas ladrões, inclusive os equivalentes ao presidente da Petrobras e ao chefe da Polícia Federal. Não há notícia de administrador encarcerado e reabilitado.

Por ter um partido e um governo fortes, a China pode ter controlado a pandemia com menos mortos que a democracia dos Estados Unidos com o tatarana Donald Trump na Casa Branca. Contudo Lula não deveria ter exagerado no exemplo.

O médico Li Wenliang alertou sobre o vírus no dia 30 de dezembro de 2019. Três dias depois, foi obrigado a assinar um documento confessando que teve um “comportamento ilegal”. Àquela altura, 425 pessoas haviam morrido e 20 mil estavam contaminadas pelo mundo afora. Inclusive ele, que viria a morrer em fevereiro.

 

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