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Opinião: "A destruição criminosa do crédito educativo"

Postado às 05h45 | 16 Nov 2023

Ney Lopes

A profunda decepção em 2022, quando me candidatei ao Senado, com traições de quem não esperava, somada à morte inesperada morte do meu filho Ney Lopes Jr, fizeram com que me afastasse da política, que sempre exerci com vocação e ideal de vida.

Fui sabotado e humilhado por estruturas gigantescas de poder político-eleitoral, montadas à custa dos governos e interesses privados.

Digo isto, pela falta que me faz, não ter hoje um microfone parlamentar para denunciar ao país a destruição criminosa da ideia que tive, com a implantação no Brasil do crédito educativo.

Em 15 de abril de 1975 como deputado federal dei entrada ao projeto de lei nº 274/75, a origem do crédito educativo.

Favorecia o estudante com o valor mensal em dinheiro (até 3 salários mínimos)  para manter-se na Universidade (pública ou privada), ou pagar anuidade, se privada e também recursos para lazer, alimentação, vestuário, habitação e necessidades do estudante.

Pois bem, o Programa de Crédito Educativo (CREDUC) teve o apoio à época do ministro da Educação, senador Nei Braga, transformando-se em linha de crédito autorizada pelo BC, através do BB e CEF.

Aceitei essa solução, por ser mais rápida do que a tramitação do PL.

Funcionou às mil maravilhas, ajudando o estudante carente, até 1999, quando o governo mudou o nome do programa para FIES e reformulou os critérios para favorecer o ensino privado universitário.

O sepultamento do crédito educativo fez nascer a transformação da educação em mercadoria por conglomerados financeiros, que têm o lucro como objetivo final.

Nada contra a iniciativa privada e a obtenção de lucros por elas.

Entretanto, tal objetivo não pode existir em programa de efetiva inclusão de jovens carentes no ensino superior.

Após o sepultamento do projeto que subscrevi, o tal FIES passou a funcionar assim: o aluno entra no sistema, faz o empréstimo e o governo repassa um título para o empresário (dono da universidade), que pode resgatar no momento que ele quiser.

Praticamente à vista, porque no resgate incide sobre o valor a ser retirado não só o IPCA (inflação acumulada), mas também a taxa Selic (a taxa básica de juros da economia).

Nada mais do que uma poupança bem remunerada, beneficiando as entidades de ensino superior privadas.

Com os lucros, essas universidades aumentaram o seu capital, começaram a comprar pequenas faculdades, e formaram grandes grupos empresariais, dominando a Educação (Estácio; Kroton Educacional (o rendimento líquido de 2014 veio 75% do FIES); Ânima Educação e Grupo Ser Educacional).

O TCU e a CGU já apuraram várias irregularidades.

Por exemplo:  um grupo de faculdades recebeu de forma ilegal mais de 1 bilhão de reais em recursos do Fies.

Todas as faculdades desse grupo estavam impedidas de participar do programa, por acumularem gigantescas dívidas junto à Receita Federal e ao Tesouro Nacional.

Para conseguir burlar, pagaram propinas e produziram documentos falsos.

Por fim, mais um absurdo se constata, o que é inadmissível em programa de cunho social como o financiamento estudantil.

O governo colocou a rede bancária privada para também operar o FIES.

Dividiu o FIES em três categorias (fonte: site da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), na notícia intitulada “BOA PARTE DOS ESTUDANTES TEM CRÉDITO REJEITADO EM FIES OPERADO POR BANCOS").

A modalidade I é financiamento ofertado diretamente pelo governo ao estudante.

Já o financiamento da segunda e terceira categoria (ou modalidade P-Fies) - destinados aos estudantes com renda familiar mensal de até cinco salários mínimos, é ofertado pelas instituições financeiras, mas com recursos públicos, ou seja, operadores são bancos privados.

Os bancos avaliam a concessão do crédito e têm rígidas exigências como garantia do pagamento.

As garantias exigidas, a taxa de juros e o prazo de pagamento variam de acordo com o banco escolhido

Conheço caso concreto, em que uma estudante de medicina para liberar o crédito no banco privado lhe foi exigido uma aplicação de no mínimo 50 mil reais, sob pena indeferimento.

Ora, quem busca esse crédito estudantil, não dispõe de dinheiro para aplicar!

Tudo isto vem acontecendo e já virou rotina.

Incrível!

Este é o retrato 3x4 do crédito educativo que criei (1975), com regras totalmente diferentes, hoje travestido de FIES e fonte de escândalos.

Uma lástima!

Fazer o que? 

(Publicado hoje no jornal AGORA RN)

 

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