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Opinião: "Bolsonaro e o perdão a Daniel Silveira"

Postado às 06h28 | 22 Abr 2022

Ney Lopes

No final do dia de ontem, 21, o presidente Bolsonaro publicou decreto, que concede o benefício da graça (perdão de pena judicial) ao deputado federal Daniel Silveira, condenado no STF a 8 meses e 9 meses de reclusão e multa de R$ 192.5 mil, pelos crimes de coação no curso do processo e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.

A indagação é se a graça concedida ao deputado Daniel Silveira é constitucional e legal?

A primeira observação é que cabe a classe política, judiciário e executivo terem equilíbrio para evitar o pior, que seria um incêndio institucional, podendo levar a medidas extremas (como estado de sítio) e o pior, que seria comprometer as próprias eleições de outubro.

Equilíbrio não significará fraqueza, nem transigência indevida.

Por mais que as paixões políticas acirrem ânimos é necessário “pé no chão” para lidar com situação política tão delicada.

Não se trata de ser contra ou a favor de Bolsonaro, mas usar o bom senso e habilidade, na busca de alternativas.

“Puxar a corda” será a pior solução para a nação brasileira.

A saída terá que ser jurídica e não a base de fanatismos políticos.

Nessa linha, cabe lembrar que em 2019 o STF, com base em voto do Ministro Alexandre de Morais, definiu que é prerrogativa pessoal do Presidente da República conceder indultos, sem que sofra interferências do Judiciário (artigo 84, XII. CF).

Essa decisão, que é a bússola para esclarecer o caso em debate, foi tomada na análise de indulto concedido pelo então presidente Michel Temer (ADI 5874 / DF).

O indulto é previsto no Brasil desde nossa primeira Constituição Imperial de 1824.

Na ocasião da votação em plenário, o ministro Alexandre de Morais afirmou:

“Não compete ao Supremo Tribunal Federal reescrever um decreto. Ou o presidente extrapolou sua competência e o STF declara inconstitucional, ou o presidente, mesmo que STF não concorde, atendeu a exigência constitucional".

Na forma da regra constitucional, o presidente somente extrapolaria sua competência caso ferisse o artigo 5°, XLIII, e beneficiasse crimes inafiançáveis, que são insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos.

Não é o caso em análise.

A graça é um perdão concedido pelo Presidente da República e está prevista no artigo 107, inciso II do Código Penal, prevendo   o favorecimento individualizado a um condenado por crime comum ou por contravenção.

Não é possível ao Parlamento sustar o decreto presidencial, o que se admite apenas em relação a atos normativos que exorbitem o poder regulamentar ou de legislar por delegação.

No voto proferido, o Ministro Alexandre Moraes, (ADI 5874-DF) deixou claro o princípio dos “freios e contrapesos”, que regem a interpretação da Constituuição.Esse mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, permite que ao mesmo tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado, sem que haja lesão a harmonia ou competências.

O sistema de freios e contrapesos estabelece, por exemplo, controle do Executivo sobre o Poder Judiciário, como na livre escolha e nomeação dos Ministros do STF (CF, art. 101); escolha e nomeação dos Ministros do STJ (CF, art. 104); e a possibilidade de concessão de graça, indulto ou comutação de penas (CF, art. 84, XII).

Portanto, o exercício do poder de indultar não fere a separação de poderes.

O respeitável ministro Celso de Mello escreveu: “A decisão do Presidente da República, concedendo ou denegando a graça pleiteada, é insuscetível de revisão judicial.

O poder de agraciar constitui liberalidade do Estado. Trata-se de favor concedido, em caráter absolutamente excepcional, aos agentes de práticas delituosas.

O Presidente da República, ao exercer essa competência constitucional, pratica ato de evidente discricionariedade. ” (Constituição Federal Anotada, Saraiva, 2a. ed. 1986, p. 266). O jurista CARLOS MAXIMILIANO, citado no voto do ministro Alexandre de Moraes, defendeu que só o texto constitucional poderia limitar a discricionariedade do Presidente da República:

"O poder executivo de perdoar não tem outros limites senão os fixados no texto fundamental" (Comentários à Constituição Brasileira de 1891. Rio de Janeiro, Jacinto Ribeiro dos Santos editor, 1918, pp. 509/510).

Dessa forma, não há que se falar da aplicação, por analogia, do princípio da impessoalidade, já que a Carta Magna não se refere a essa exigência..

Esse é argumento político, nunca jurídico.

A Constituição norte-americana influi em nosso texto constitucional.

Nos Estados Unidos a graça concedida pelos Presidente é incontestável. 

Em 1974, Gerald Ford perdoou Richard Nixon por suas ações como presidente, após este ter renunciado durante um processo de impeachment.

Jimmy Carter indultou milhares que se recusaram a ir para a Guerra do Vietnã.

Já Bill Clinton concedeu perdão a seu irmão Roger Clinton em acusações de tráfico de drogas.

Donald Trump indultou 73 pessoas, todos correligionários, e comutou as sentenças de outras 70.

No caso do deputado Daniel Silveira o ponto questionável no decreto presidencial, a ser dirimido pelo STF, é afastar os efeitos secundários da condenação.

Para que isso ocorra terá que ser cancelada a Súmula 631 do STJ, que diz: “O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”.

Dessa forma será mantida a perda do cargo e do mandato, não havendo cumprimento da pena.

Espera-se que, principalmente a classe política, tenha a noção de responsabilidade com a democracia, para não aceitar provocações, preservar a paz nacional e  realização de eleições livres em outubro, o mais importante para o futuro do país.

 

 

 

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