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Por que o Congresso quer demissão de Ernesto Araújo?

Postado às 05h51 | 26 Mar 2021

BBC Brasil

Nos sistemas elétricos, o fusível é a peça desenhada para absorver o impacto de uma descarga de alta voltagem sem danificar o resto da estrutura. Quando isso acontece, o fusível queima, fica inutilizável, tem que ser trocado. Na avaliação de diplomatas e políticos ouvidos pela BBC News Brasil, desde a quarta-feira (24/3) o chanceler Ernesto Araújo se converteu nessa peça para Jair Bolsonaro.

O Brasil vive uma crise de escassez de vacinas e insumos para fabricar imunizantes contra a covid-19 ao mesmo tempo em que bate recordes de novos casos da doença e acumula mais de 300 mil mortes na pandemia.

O agravamento da pandemia no Brasil tem levado a uma deterioração da popularidade de Bolsonaro nas pesquisas de opinião e, segundo fontes consultadas pela reportagem, isso pode respingar nas chances eleitorais de aliados do governo no Congresso, que integram o chamado Centrão.

As mudanças de olho nas urnas começaram com a saída do general Eduardo Pazuello do comando do Ministério da Saúde. Ele foi o fusível ligado à recusa de sucessivas ofertas de vacinas da Pfizer, ao boicote da CoronaVac, à falta de oxigênio em Manaus e defesa do tratamento precoce. Mas a troca de Pazuello não estancou a crise com aliados, já que o ministro foi substituído por um nome ligado à família Bolsonaro, Marcelo Queiroga, e não por um indicado do Congresso.

A responsabilidade pela falta de vacinas também pesa sobre Ernesto Araújo, segundo análise do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foi isso o que o parlamentar ouviu sistematicamente de embaixadores estrangeiros e de empresários brasileiros nas últimas semanas.

A mesma insatisfação chegava ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que aceitou enviar uma carta direta à vice-presidente americana Kamala Harris, sem intermediação do Itamaraty, para apelar por vacinas. Na avaliação de um senador que conversou tanto com Pacheco quanto com Lira nos últimos dias, "está claro que Ernesto Araújo vive de fazer tweets e nada mais".

"Obviamente que as críticas estão externadas em relação à política externa do Brasil e cabe ao presidente decidir quem é o melhor nome ora ser o chanceler do Brasil, se é o ministro atual ou se é outro ministro. Nós tivemos muitos erros no enfrentamento dessa pandemia e um deles foi o não estabelecimento de uma relação diplomática de produtividade com diversos países que poderiam ser colaboradores nesse momento agudo de crise que temos no Brasil. Então ainda está em tempo de mudar para poder salvar vida", afirmou Pacheco, na tarde desta quinta-feira.

Em 2 anos e 4 meses à frente do Itamaraty, Araújo esteve à frente de uma guinada ideológica na política internacional do Brasil e feriu simultaneamente o relacionamento do país com Estados Unidos, China e Índia, três nações com produção própria de imunizantes que poderiam ajudar imediatamente a aumentar o estoque do país.

Em relação aos EUA, o Brasil deixou de lado sua tradicional neutralidade e apoiou abertamente um candidato, o derrotado Donald Trump, e falhou em reconhecer a vitória do atual presidente Joe Biden e em condenar o ataque de trumpistas ao capitólio.

No caso da China, Araújo fez ataques sistemáticos ao país e a seu embaixador no Brasil via Twitter. E em relação à Índia, o Brasil optou por quebrar outra tradição diplomática ao se alinhar a países ricos quando os indianos sugeriram quebrar patentes de tratamentos contra a covid-19 na Organização Mundial do Comércio.

Chamado a se explicar tanto na Câmara quanto no Senado na quarta-feira, 24/3, Araújo respondeu em tom considerado arrogante e impróprio até por congressistas aliados do governo. Ele defendeu sua gestão, disse que selou o acordo Mercosul-União Europeia, em negociação havia 20 anos, mas que ainda não foi colocado em prática pelas resistências europeias à atual gestão ambiental brasileira.

Mencionou conversas recentes com quadros da gestão Biden como prova de que está revertendo o mal-estar com os americanos. Defendeu a aproximação com Israel, país que visitou recentemente, mas foi lembrado por parlamentares que não trouxe vacinas de lá. E argumentou que seu trabalho estava "mudando" o Brasil ao realinhar o país aos conceitos de conservadorismo, valores da família e espiritualidade e afastá-lo do globalismo.

Araújo acusou os parlamentares de fazerem "perguntas retóricas" e não "questões objetivas" sobre sua atuação na obtenção de vacinas para o Brasil.

No Senado, que em dezembro do ano passado já dera sinais de desgaste ao chanceler ao não aprovar uma indicação sua para posto no exterior, a reação foi dura e coordenada. A condição de Araújo de novo fusível queimado ficou evidente.

"Chama a atenção que nenhum senador ali, nem os mais governistas, o tenha defendido", analisou um embaixador em condição de anonimato.

"Faço um desafio para o senhor que acha que não atrapalha o Brasil nesse momento de pandemia: peça exoneração por 30 dias. Vamos ver se, com esse gesto, não conseguimos mais rapidamente a vacina da Coronavac e mesmo a vacina Pfizer. Tenho certeza que com o gesto da sua exoneração, estaríamos nos redimindo perante China e os Estados Unidos e teríamos muito mais facilmente as vacinas nos braços do povo brasileiro", afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

"O senhor não tem condições de ser ministro. Faça um favor, em homenagem aos mais de 300 mil brasileiros que perderam a vida, renuncie a esse cargo, peça para sair", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP)

"Ministro, o senhor não tem mais condições de continuar no Ministério das Relações Exteriores. E, ao contrário do que muitos pensam, não é para criar uma crise, mas para acabar com a crise", afirmou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE)

Em meio à tensão da sessão, o assessor da Presidência para assuntos internacionais Filipe Martins, fez gestos considerados obscenos e racistas pelos senadores. Pacheco chegou a chamar a polícia legislativa para lidar com o assessor, que nega que tenha feito um gesto ofensivo e afirma que apenas ajeitava a lapela do paletó. Martins será investigado.

O episódio teria selado em definitivo o destino de Araújo. Na manhã desta quinta, Ernesto teria ido a Lira para se desculpar, mas o presidente da Câmara não teria mudado sua percepção e, em conversa privada com Bolsonaro, teria dito que não haveria mais condições de o ministro das Relações Exteriores seguir no posto.

Cara a cara, Lira teria repetido o tom do discurso feito ainda ontem na Câmara: "estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados".

'Saída honrosa'

A demissão de Ernesto, segundo fontes, agora dependeria apenas de dois acertos. O primeiro seria a busca por uma saída honrosa para o chanceler. Muito ligado ao filho de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, e seguidor do escritor Olavo de Carvalho, Ernesto cumpria a função de ser uma ponte ideológica de Bolsonaro com parte de seu eleitorado doméstico.

"Estou dando toda a minha vida por isso, porque é nisso que eu acredito. Contarei aos meus netos que participei de um projeto bem-sucedido, que livrou o Brasil da corrupção, do atraso e da falta de condições", afirmou Araújo em dado ponto da sessão, com a voz embargada.

Sua disposição de ser submetido ao que embaixadores consideraram como um papel "humilhante" e "sem precedentes na história do Itamaraty" no Congresso em nome da defesa do governo deve garantir a ele algum posto confortável dentro da carreira diplomática, a qual ele pertence.

Mas as possibilidades são escassas porque para boa parte dos altos postos diplomáticos no exterior, o nome indicado precisa ser aprovado pelo Senado. Hoje, é corrente a percepção de que o nome de Araújo não seria aprovado para nada entre os senadores.

A segunda variável é o substituto de Araújo. O Congresso faz pressão para indicar o sucessor, e assim reduzir a ascendência de Eduardo Bolsonaro sobre os assuntos do Ministério das Relações Exteriores. O nome mais cotado é o do ex-presidente Fernando Collor.

Aliado a Lira, Collor tem se aproximado de Bolsonaro, que antes o chamava de "grande mentiroso", e já demonstrou interesse no posto a colegas de Senado. Outro nome também cotado seria o do também senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). Anastasia, no entanto, estaria reticente a abraçar a função e se ver como possível alvo do chamado "gabinete do ódio" do Planalto.

Mas Bolsonaro também gostaria de fazer um aceno à sua base eleitoral, o que poderia credenciar figuras de perfil mais conservador, oriundos do próprio Itamaraty, como o atual embaixador nos EUA, Nestor Forster, ou o embaixador na França, Luís Fernando Serra. A possibilidade é vista com má vontade por políticos do Centrão.

"Se quer continuar mandando desse jeito na política externa, que Bolsonaro coloque o filho Eduardo no posto de uma vez", disse um deles à BBC News Brasil, em caráter reservado.

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